Transporte de Fretamento: Liberdade econômica não pode ser anarquia regulatória

A desvirtuação do transporte de fretamento e a guerrilha da desinformação

Um pequeno grupo de empresas de fretamento (apoiado por uma associação recém criada), defende um modelo autointitulado “fretamento colaborativo”. Diga-se de início que esse modelo inexiste legalmente e tampouco encontra qualquer respaldo regulatório.

Esse mesmo grupo de empresas cita a omissão estatal em regulamentar o modelo de serviço que pretendem ofertar à sociedade. Não é bem assim.

O estado de São Paulo regula e fiscaliza os serviços de transporte de passageiros, tanto o de linhas regulares como o de fretamento contínuo e eventual (Decretos Estaduais 29.912/1989, 29.913/1989 e 61.635/2015). Portanto, não existe lacuna regulatória a ser superada. O passageiro pode escolher por uma viagem individual, para qualquer município do estado, em uma empresa de linha regular. Pode também contratar, de forma conjunta (amigos, família, grupo religioso, etc…), uma empresa de fretamento para um mesmo objetivo de viagem. Já uma empresa pode contratar o fretamento contínuo para seus colaboradores. Logo, todos os atendimentos estão plenamente cobertos. Mais uma vez, não existe a suposta lacuna regulatória e muito menos a impossibilidade ou barreira para efetivação do transporte de todos que queiram viajar.

A questão da suposta lacuna regulatória foi inclusive objeto de mandado de injunção, recentemente denegado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.1

Destacamos outro tema abordado nas notas, matérias e artigos jurídicos patrocinados pelos defensores do “fretamento colaborativo”, a questão do oligopólio ou monopólio das empresas regulares. Não é bem assim.

No estado de São Paulo, 86 empresas 2 operam continuamente as linhas regulares. Não existe monopólio com esse número. Curiosamente, em sentido oposto, informações da Artesp (Agência Reguladora do Estado de São Paulo) mostram que, em outubro deste ano, apenas duas empresas do pretendido “fretamento colaborativo” operaram mais de 54% das viagens 3. Diferente do alarde, a concentração não está do lado do transporte regular.

Outro ponto que merece destaque é a constante comparação do sucesso dos aplicativos da Uber e 99 como justificativa para a legalização do “fretamento colaborativo”. Mais uma vez, não é bem assim.

O serviço público coletivo regular de passageiros jamais pode ser comparado com o serviço prestado por táxi, Uber ou 99, que são de interesse público, porém privados e de transporte individual. A qualquer momento, um motorista de táxi ou de aplicativo pode resolver, por exemplo, que irá comemorar seu aniversário de casamento no parque Ibirapuera em qualquer dia da semana, sem precisar justificar a ausência de sua prestação de serviço, tanto para o estado, prefeitura, órgão regulador ou o consumidor. Portanto, não se pode comparar o serviço regular das empresas de ônibus, que cumprem rigorosamente uma tabela de horários autorizada pelo poder concedente, partindo com um, dois, cinco ou qualquer número de passageiros a bordo.

Ofertar desinformação à sociedade, além de grave, não é caminho para nenhuma construção de valor. A omissão se faz igualmente temerária.

O pretendido modelo de “fretamento colaborativo” omite em seus pareceres, artigos ou publicidade as mais de 30 mil reclamações em sites especializados de consumidores, nos últimos três anos, por cancelamentos de viagens, ônibus que não apareceram no local de embarque, mudanças sem aviso do serviço contratado (de executivo para convencional, de leito para executivo), alteração do local do embarque, dentre outras. 4

Liberdade econômica não pode ser confundida com anarquia regulatória, que nesse caso, resultaria na deterioração do equilíbrio deste sensível sistema que é o transporte regular de passageiros.

Atender somente as rotas mais rentáveis (dados da Artesp mostram que o “fretamento colaborativo” atende o ínfimo número de 3,4% dos municípios do estado de São Paulo)5, realizar a viagem somente com uma quantidade mínima de passageiros6, sem a garantia de data e horários da viagem, mudando local de embarque unilateralmente, são práticas que inibem o poder de escolha do passageiro. Nesse parágrafo sim, podemos considerar: “é bem assim”. (Por Rodrigo Matheus Via Portal Consultor Jurídico)

 

 

 

DATA

22 novembro 2023