Caminhoneiros usam posto de combustível para cumprir nova legislação

Depois das 23h, o posto Ampessan no quilômetro 198 da BR-101, em São José, começa a receber os motoristas

É quase meia-noite no posto de combustíveis Ampessan, no quilômetro 198 da BR-101. Com o movimento diminuindo na ro­dovia, pouca coisa chamaria mais atenção que um grande número de caminhões chegando para es­tacionar no mesmo lugar. Car­retas, cegonhas e treminhões se ajeitam no pátio, assustando os desavisados motoristas dos car­ros de passeio. “Bem ajeitadinho cabe umas 90”, calcula Jair Coe­lho, gerente do local.

É no pátio do posto que os motoristas vão cumprir as 11 ho­ras de descanso, determinadas pela lei que regulamentou a pro­fissão, no final do mês de abril. No trecho catarinense da estra­da, além do Ampessan, há apenas mais um ponto de parada, segun­do os motoristas. A fiscalização do descanso dos caminhoneiros pela Policia Rodoviária Federal está suspensa. Mas, para fins trabalhistas, a lei está valendo e os motoristas estão com dificul­dades para encontrar um ponto seguro de parada. Como não há pátios públicos à beira das rodo­vias, a saída é apelar aos postos de combustíveis para preencher a planilha de controle das paradas, que serve como prova do cumpri­mento das novas regras.

Até que as fiscalizações sejam retomadas, em março, os moto­ristas tentarão se acostumar com as paradas a cada quatro horas de estrada e com os intervalos de 11 horas entre uma jornada e outra. Os postos que possuem estrutura, como banho quente, restaurante e espaço no pátio, faturam com a falta de estrutura pública. Jair é quem avisa os motoristas: “Não cobramos o banho, mas é só para clientes. Se não abastecer, não pode ficar aqui”, acrescenta.

Paradas obrigatórias não agradam os motoristas

“A nova lei muda toda a nossa vida. Afinal de contas, passamos o tempo todo na boleia do caminhão”, adianta-se um motorista. A reprovação é praticamente unânime entre os que tiram o sustento da vida na estrada. “Se eu não parasse aqui nesse posto só poderia parar em Camboriú ou Barra Velha. Se não paro agora teria tocado direto”, confessa Manoel Victor de Oliveira, o Vitinho, 63 anos, motorista desde 1971.

Vitinho puxa carga de Sapucaia do Sul (RS) para Joinville, trecho com pouco mais de 600 quilômetros. Traz ferro da cidade gaúcha e retorna com sucata, que é triturada e reciclada no Rio Grande do Sul. Seria possível fazer a viagem em um dia, argumenta Vitinho, mas o percurso se alonga nos trechos urbanos e nas obras da BR-101 no trecho sul. “Dizem que vão fazer uma alça de contorno. Vai melhorar, mas precisei parar aqui para descansar. Até porque, a empresa pede para pararmos”, conta, mostrando as paradas registradas em uma prancheta. O controle da empresa de Vitinho é feito também via sistema de rastreamento e com os dados do tacógrafo (dispositivo para monitorar tempo de uso, distância percorrida e a velocidade).

O tempo contado em quilômetros

Os desafios da vida de caminhoneiro incluem longos períodos longe da família, péssimas con­dições nas estradas e um velho hábito de con­tar o tempo em quilômetros. Evandro Braz, 38 anos, encontra mulher e os quatro filhos uma vez por semana. Na estrada, o rádio amador (PX) e as emisso­ras de rádio locais são principais distrações. Às vezes, ele também leva a mulher em viagens cur­tas. “Para matar a saudade”, revela.

Os caminhoneiros que trabalham no mesmo trecho procuram sempre parar no mesmo lugar, para cultivar as amizades e por questões de se­gurança. “Parar sozinho na estrada é bucha. Tem roubo de carga, assaltos, é um risco danado”, conta Vitinho o cozinheiro do grupo.

“Tem vários programas de rádio. Pedimos música e oferecemos para os parceiros da estra­da”, emenda Luiz Carlos da Silva, 48 anos de ida­de e 25 de profissão. Carlos é conhecido entre o grupo como “Cansadinho”. E entre eles ainda tem o “Bolacha”, que dizem ser o mais resistente ao cansaço da estrada.

Com a nova exigência de 11 horas de intervalo entre uma jornada e outra, além do banho e do jantar, sobra tempo para um bate papo e até para uma cerveja no balcão — no posto Ampessan não vendem bebida, mas um restaurante ao lado abre as portas para atender a clientela vasta.

Irregularidades comprovadas

Apesar da suspensão nas fiscalizações de trânsito, o MPT (Ministério Público do Trabalho) garante que a lei está valendo na esfera trabalhista e precisa ser cumprida por motoristas e empresas de transporte. Durante a Operação Jornada legal, em outubro, o MPT e a PRF (Polícia Rodoviária Federal) averiguaram que em 1.000 caminhoneiros abordados, 90% cometiam algum tipo de irregularidade com relação às regras de parada e descanso.

O procurador Paulo Douglas promete acionar as empresas flagradas com irregularidades. Elas poderão ter que responder na Justiça por infrações trabalhistas. Os motoristas também podem exigir seus direitos, tanto no exercício das funções quando em caso de desligamento.

O MPT também entrou com Mandado de Segurança na Justiça Federal para derrubar resolução do Contran (Conselho Nacional de Trânsito) que mantêm suspensas aplicações de infrações de trânsito por 180 dias.

Setor promete nova mobilização contra a aplicação da lei

O presidente do Sindicargas (Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas), Júlio Cesar Hess, diz que a nova lei já tem impacto sobre a economia do país. “Viagens de curta distância vão sofrer um aumento no preço do frete em 42,75%. As de longa distância podem subir 70%”, alardeia. Estudos da Fundação Dom Cabral mostram que 12% do PIB do Brasil esta no custo logístico.

Para o Sindicargas, o problema é o mesmo que determinou que as multas de trânsito fossem suspensas por 180 dias: a falta de espaços nas estradas para o cumprimento do período de descanso. Paralisações já foram realizadas pressionando revisão da Lei e o Sindicato ameaça que o transporte de cargas pode parar, caso o governo não tome atitudes. “Pelo que eu sei, o único posto que o Dnit vai construir é em Araranguá. Vai ter banho e local para parada. Pelo menos isso”, afirma Vitinho, enquanto se prepara para dormir na cabine decorada com escudos do Internacional.

DATA

12 novembro 2012

FONTE

NDonline Mobile