Advogados trabalhistas contra mudanças na lei dos motoristas

ASSISTA AO VÍDEO – DISCURSO PROFERIDO PELA DEPUTADA JÔ MORAES

 

“Diante dos gravames sociais e jurídicos que podem advir da aprovação da proposta legislativa, a Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas posiciona-se em contrariedade à sua aprovação”. Esta é a conclusão da Nota Técnica, assinada pelo presidente da entidade, Antônio Fabrício de Matos Gonçalves, e apresentada nesta tarde (9) pela deputada federal Jô Moraes (PCdoB/MG), sobre o Projeto de Lei 5943/2013, prestes a ser votado em plenário. A proposição, de autoria de uma comissão especial da Câmara, “dispõe sobre o exercício da profissão de motorista, altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no que se refere ao empregado, e a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro) bem como a Lei nº 11.442 de 5 de janeiro de 2007 (Empresas e transportadores autônomos de carga), para regular e disciplinar a jornada de trabalho e o tempo de direção do motorista profissional, e dá outras providências”.

 

Riscos nas estradas

Em discurso da tribuna, Jô Moraes reivindicou a divulgação da Nota Técnica “para demonstrar a gravidade da decisão de se  ampliar a jornada de trabalho de motoristas de transporte de cargas e de passageiros nas estradas para 12 horas. É uma nota fundamentada nos princípios constitucionais e nas pesquisas de segurança de saúde do trabalhador”, afirmou.

No documento, os especialistas advertem que “o gozo de descansos trabalhistas está diretamente relacionada à prevenção de acidentes do trabalho no trânsito. Desse modo, a aprovação do projeto de lei, nos termos da proposição original, promoverá a elevação de riscos para a saúde e segurança do importante segmento profissional, como de resto, para toda a sociedade brasileira”. Isto, em decorrência da elevação da jornada de trabalho. A matéria, segundo a análise, fere a Constituição de 1988 por desrespeitar a duração normal do trabalho, com acréscimos não acolhidos na Carta Magna.

Ferindo princípios e direitos

Outra violação apontada refere-se à proposta de não considerar o tempo de espera para carga e descarga no local de trabalho como tempo trabalhado. “Na tradição do Direito do Trabalho, o tempo de permanência no local de trabalho, no caso, as dependências do embarcador ou destinatário, integra a jornada laborativa para todos os efeitos legais”.   A alteração do período de descanso e a possibilidade de ele ser fracionado são outros pontos rejeitados pelos especialistas.

A obrigatoriedade de os motoristas rodoviários de carga e de passageiros se submeterem a exames toxicológicos também mereceu ampla  anális. A Nota Técnica atenta para o fato de que “a exacerbação do tradicional controle patronal deve se coadunar com os postulados constitucionais e com o plexo de direitos humanos pertinentes ao devido processo legal para fins de sanções punitivas, em particular, o princípio que torna defesa a imposição de produção probatória contra o próprio interesse da pessoa humana”.

Além da questão da saúde, o documento ressalta que “a pretensão de superar as garantias estabelecidas pelo art. 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos, o Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, não encontra instrumento adequado. Conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal – RE 466.343 (DJe 5.6.2009), o Pacto de San José possui caráter supralegal e suas disposições não podem ser afastadas por meio de alteração na legislação infraconstitucional”.

Gastos públicos

   O estudo aponta ainda que a  proposição “atenta contra o princípio de racionalização dos gastos públicos”. isto, em razão de “a maior acidentalidade e mortalidade impactar diretamente o orçamento público, em particular o orçamento da Previdência Social, com pagamento de benefícios de auxílio doença-acidentado, auxilio acidente, aposentadorias por invalidez e pensões de morte. Até disso, a maior acidentalidade no trânsito impacta o Sistema Único de Saúde com atendimento dos trabalhadores e outras vítimas”.

Discurso

Eis a íntegra do pronunciamento da deputada Jô Moraes:

“Senhor presidente,  senhoras e senhores deputados,

Será votado nesta Casa —e tenho uma proposta de requerimento de urgência à previsão de votação — o Projeto 5943/2013, que altera a jornada de trabalho dos motoristas, passando para até 12 horas — motoristas de transporte rodoviário de cargas e de passageiros.
Eu queria, então, que a Casa divulgasse a nota técnica da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas, para demonstrar a gravidade desta decisão de ampliar a jornada de trabalho de motoristas de transporte de cargas e de passageiros nas estradas para 12 horas. É uma nota fundamentada nos princípios constitucionais e nas pesquisas de segurança de saúde do trabalhador.
Era isso, Senhor Presidente.

Deputada Jô Moraes – PCdoB/MG”

Nota Técnica

Eis a íntegra da nota técnica da  Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas, assinada por seu presidente, Antônio Fabrício de Matos Gonçalves:

“Tramita no Congresso Nacional projeto de lei que visa alterar as disposições regulamentares da profissão de motorista constantes da Lei 12.619, de 2012. Nota-se, em primeiro plano, que a pretensão de mudanças legislativas na regulamentação do motorista profissional visa tratamento uniforme para situações sumamente diversificadas, à medida que a proposta alcança “a todos os condutores rodoviários de veículos de cargas e de passageiros”, independentemente do “vínculo empregatício”. Contudo, a atividade de condutor autônomo de cargas e passageiros, desenvolvida com recursos próprios e sob o impulso do prestador de serviços, distingue-se fundamentalmente do emprego, sujeito ao direcionamento e controle de um terceiro, que explora economicamente atividade de transporte.

Essa diferenciação do modo de execução da atividade exigiria uma necessária adequação das obrigações imputadas aos empregadores para a situação dos trabalhadores autônomos, o que não se verifica claramente no projeto em trâmite.

Lado outro, importante salientar que o art. 3º da proposta legislativa, na esteira do previsto na legislação atualmente vigente, permite ao empregador promover exames toxicológicos periódicos, mediante contra-prova, para fins de sanções legais.

Em nota técnica, o Ministério Público do Trabalho propugna pelo custeio do exame pelo empregador. A medida indicada pelo Parquet trabalhista, de fato, é imperiosa, considerando os princípios de corte do Direito do Trabalho, em particular o princípio de enunciação da assunção de ônus e riscos da atividade empresarial por conta empregador. Além disso, encontra-se no relatório final da Comissão temática o registro de que a medida poderia ensejar a aplicação dos rigores da “Lei Seca”. Nesse aspecto de fundamentação da proposta legislativa deve-se rememorar que a exarcebação do tradicional controle patronal deve se coadunar com os postulados constitucionais e com o plexo de direitos humanos pertinentes ao devido processo legal para fins de sanções punitivas, em particular, o princípio que torna defesa a imposição de produção probatória contra o próprio interesse da pessoa humana.

Com relação à alteração proposta para o art. 147 do Código de Trânsito cabe observar que não se pode utilizar o resultado positivo apurado no exame para aferir o consumo de substâncias psicoativas para impor sanções penais e/ou administrativas ao empregado. O resultado positivo no referido exame indica apenas que houve consumo de substâncias psicoativa no período de detecção do exame, não se podendo afirmar que o empregado conduziu veículo automotor sob o efeito de substâncias psicoativas exige a comprovação de que no exato momento da condução do veículo o condutor se encontre sob o efeito nocivo de substâncias psicoativas.

Por outro lado, cabe ressaltar que a pretensão de superar as garantias estabelecidas pelo art. 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos, o Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, não encontra instrumento adequado. Conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal – RE 466.343 (DJe 5.6.2009), o Pacto de San José possui caráter supralegal e suas disposições não podem ser afastadas por meio de alteração na legislação infraconstitucional.

Demais, em consonância com os entendimentos da Organização Mundial de Saúde, há de se distinguir, para fins punitivos, as situações de doenças ou transtornos de dependência alcoólica e de outros agentes psicotrópicos, já que nestas condições o agir humano é condicionado pela condição de saúde, o que configura, para efeitos da legislação penal e trabalhista, excludente de culpabilidade, sendo na seara justrabalhista, inclusive, hipótese de interrupção e de suspensão do contrato de trabalho para fins de tratamento médico.

Relativamente à regularização dos condutores de cargas e passageiros empregados, deve-se ressaltar que a proposta traz significativa mudança nos parâmetros de duração do trabalho para a categoria dos motoristas, estabelecida atualmente em 8 horas diárias, com a pretensão de se facultar o ajuste para acréscimo de duas diárias de trabalho e, em caso de autorização negocial coletiva, a ampliação da duração do trabalho em até quatro horas por dia.

Entretanto, Constituição de 1988, pelo art. 7º, XIII, estabelece a duração normal do trabalho por oito horas por dia, não ultrapassando o limite de quarenta e quatro horas semanais. As exceções à duração normal do trabalho encontram-se contempladas no próprio texto constitucional, quais sejam, (i) o regime de compensação de jornada, pelo qual, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, permite-me prorrogar a jornada de trabalho com redução do correspondente período acrescido em outro dia de labor (art. 7º, XIII); e (ii) a jornada extraordinária, pela qual, em caráter excepcional e para situações imprevisíveis, são acrescentadas horas ao período de trabalho normal, respeitados os limites legais, mediante o pagamento do período acrescido do adicional de, no mínimo, cinquenta por cento do correspondente valor (art. 7º, XVI).

Assim, o projeto é inconstitucional, já que desrespeita a duração normal do trabalho, com acréscimos não acolhidos constitucionalmente.

Outro importante ponto de destaque no projeto relacionado à duração do trabalho refere-se ao tempo de espera, assim consideradas “as horas em que o motorista profissional empregado ficar aguardando carga ou descarga do veículo nas dependências do embarcador ou destinatário, e o período gasto com a fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias, ou em outras situações especiais, não sendo computadas como jornada de trabalho e nem como horas extraordinárias”.

Registre-se que a proposta não se afasta neste tocante das disposições legislativas vigentes (Lei 12.619, de 2012). Entretanto, na tradição do Direito do Trabalho, o tempo de permanência no local de trabalho, no caso, as dependências do embarcador ou destinatário, integra a jornada laborativa para todos os efeitos legais. Assim, o pagamento do período à razão de vinte por cento do salário normal consubstancia verdadeiro retrocesso jurídico e social contrariando o princípio da progressividade social e a correlata proibição de involuções legislativas, consagrado no art. 7º, caput da Constituição de 1988.

É oportuno ainda salientar que o projeto de lei prevê que “dentro do período de vinte e quatro horas, são asseguradas onze horas de descanso, sendo facultado o fracionamento e a coincidência com os períodos de parada obrigatória na condução do veículo estabelecida pela Lei de trânsito, garantindo o mínimo de oito horas ininterruptas no primeiro período e o gozo do remanescente dentro das dezesseis horas seguintes ao fim do primeiro período”.

O gozo de descansos trabalhistas está diretamente relacionada à prevenção de acidentes do trabalho no trânsito. Desse modo, a aprovação do projeto de lei, nos termos da proposição original, promoverá a elevação de riscos para a saúde e segurança do importante segmento profissional, como de resto, para toda a sociedade brasileira, o que contraria a política constitucional de redução dos riscos inerentes ao trabalho prevista no art. 7º, XXIII.

É de se destacar que a maior acidentalidade e mortalidade impacta diretamente o orçamento público, em particular o orçamento da Previdência Social, com pagamento de benefícios de auxílio doença-acidentado, auxilio acidente, aposentadorias por invalidez e pensões de morte. Até disso, a maior acidentalidade no trânsito impacta o Sistema Único de Saúde com atendimento dos trabalhadores e outras vítimas. Assim, a proposta legislativa atenta contra o princípio de racionalização dos gastos públicos, vetor estimulador de várias modificações constitucionais e que se infere no art. 169, da Constituição de 1988.

Assim, diante dos gravames sociais e jurídicos que podem advir da aprovação da proposta legislativa a Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas posiciona-se em contrariedade à sua aprovação.

Antônio Fabrício de Matos Gonçalves – Presidente da ABRAT”

Graça Borges

Foto: Lúcio Bernardo Júnior/CD

Jô Moraes: Para demonstrar a gravidade da decisão de ampliar a jornada de trabalho de motoristas de transporte de cargas e de passageiros

Foto/Reprodução/http://www.transportes.gov.br 

DATA

15 Abril 2014

FONTE

ABRAT - Dep. Jô Moraes