A matéria da Globo sobre caminhoneiros e a visão da sociedade

Assista vídeo da Globo aqui – Um em cada três caminhoneiros usa drogas, revela teste inédito no Brasil

Desde o fim da semana passada todos esperavam a matéria da Rede Globo sobre os motoristas profissionais. Estávamos todos preparados para a “esculhambação” do caminhoneiro. E a matéria começou como esperado, mostrando motoristas envolvidos em acidentes, alertando a população que um terço dos estradeiros usam drogas, que ela é fácil de comprar, que a mais comum é a cocaína, que entre os que puxam perecíveis o uso é feito por mais da metade e mais um monte de coisas negativas.

Geralmente a matéria acaba aí, mas não desta vez. Neste domingo foi exibido algo que, pelo menos para esta repórter, nunca se viu na emissora. A matéria levantou por que alguns caminhoneiros chegam ao uso da droga. O repórter ouviu motoristas e outros profissionais do setor que afirmaram que a pressão por horários é a grande causa da “epidemia” que a droga está virando no meio.

O caminhoneiro já sabe, a imprensa especializada também, mas é muito importante que a população geral entenda as dificuldades da profissão antes de julgá-la. E como a população vai saber? Não é lendo o livro desta jornalista, não é pela imprensa do segmento, é apenas com reportagens nos grandes veículos, e neste domingo ela tomou contato com algo que nunca tinha sido dito pelo Fantástico antes: que o motorista de caminhão é explorado e que se algo chega na casa de qualquer pessoa, é porque um caminhoneiro carregou.

3 frases importantes 

Duas coisas que a população nunca tinha ouvido sobre o caminhoneiro e uma que mostra que muitas empresas continuam ignorando o problema.

“Quando o motorista precisa usar drogas para que consiga cumprir as jornadas exigidas pelo sistema, nós encontramos o limite entre um trabalho livre e um trabalho escravo sob o ponto de vista contemporâneo. Nós temos hoje (…) uma legião de motoristas que estão efetivamente na condição análoga a de escravo.”
Paulo Douglas de Morais – procurador do Ministério Público do Trabalho 

Esta colocação não coloca o motorista na posição de “vilão malvado” da história e sim como mais uma classe de trabalhadores explorado pelo sistema. Faz toda a diferença para a construção da imagem do motorista perante a sociedade.

“Nós precisamos de transporte socialmente responsável. Nós precisamos nos preocupar com a condição destes profissionais, inclusive porque no café da manhã de todo brasileiro, na refeição de todo brasileiro tem o sangue da estrada, dessas pessoas que são exploradas todos os dias pra levar os produtos, principalmente os perecíveis, para a nossa casa.”
Rodolfo Rizzotto – coordenador SOS Estradas 

Esta colocação mostra para a população a importância da classe e chama a todos para a “briga pelo transporte socialmente responsável”.

“Nós desconhecemos este tipo de pressão. Não aceitamos que essa vinculação do uso da droga é em decorrência da sua atividade (de motorista).”
José Hélio Fernandes – presidente NTC – Associação Nacional de Transporte de Cargas 

Infelizmente a Associação que representa o empresariado do setor de cargas negou o problema da pressão por horários e perdeu a chance se aliar ao motorista na briga com o embarcador, que geralmente é quem exige o prazo apertado.

Mas a última fala da matéria, quando o motorista afirma que se não fosse obrigado jamais usaria drogas ou rebites, dá a entender que a emissora também concorda com o problema. Foi de forma tímida, mas se de fato, a partir de agora, esse assunto for mais recorrente na grande mídia, isso pode gerar uma mudança na forma como a sociedade enxerga o caminhoneiro e, consequentemente, uma mudança na sua condição de trabalho. Estamos torcendo.

Por Paula Toco

DATA

23 novembro 2015

FONTE

Pé na estrada e Rede Globo